quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Nelson Rodrigues Dama Do Lotação - A Vida Como Ela É


 

Durante dez anos, de 1951 a 1961, Nel­son Rodrigues escreveu sua coluna A vida como ela é para o jornal Última Hora, de Samuel Wainer.
Seis dias por sema­na, chovesse ou fizesse sol. A chuva podia ser como a do quinto ato do Rigoletto e o sol, daqueles de derreter catedrais, se­gundo ele. Todo dia, com uma paciência chinesa e uma imaginação demoníaca,
 
 Nelson escrevia uma história diferente. E quase sempre sobre o mesmo assunto: adultério. Desse tema tão simples e tão eterno, ele extraiu quase 2 mil histórias. Os ficcionistas que fingem se levar a sé­rio precisam de toda uma aura de misté­rio para criar. Nelson dispensava esse mis­tério.
 Chegava cedinho à redação, acendia um cigarro e, na frente dos colegas, entre miríades de cafezinhos, escrevia A vida como ela é As histórias saíam de casos que lhe contavam, da sua própria obser­vação dos subúrbios cariocas ou das cabe­ludas paixões de que ele ouvira falar em criança. Mas principalmente da sua me­ditação sobre o casamento, o amor e o desejo.
 O cenário dos contos de A vida como ela é é o Rio de Janeiro dos anos 50. Uma cidade em que casanovas de plantão e mulheres fabulosas flertavam nos ônibus e bondes;
em que poucos tinham carro, mas esse era um Buick ou um Cadillac; em que os vizinhos vigiavam-se uns aos ou­tros; e em que maridos e mulheres viviam sob o mesmo teto com as primas e os cunhados, numa latente volúpia incestuo­sa.
 
 Uma cidade em que, como não havia motéis, os encontros amorosos se davam em apartamentos emprestados por amigos — donde o pecado, de tão complicado, tor­nava-se uma obsessão.
 E uma época em que a vida sexual, para se realizar, exigia o vestido de noiva, a noite de núpcias, a lua-de-mel. E em que o casal típico — e, de certa forma, perfeito — compunha-se do marido, da mulher e do amante.

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